A Semana de Arte Moderna e Modernismo

O movimento modernista foi o responsável pelo primeiro contato do país com as revoluções estéticas das vanguardas européias que surgiam no início do século XX.

Dele participaram: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Paulo Prado, Guilherme de Almeida, Álvaro Moreyra, Menotti del Picchia, Di Cavalcanti, Ribeiro Couto, Ronald de Carvalho, Renato de Almeida, Villa Lobos, Sérgio Milliet, Manuel Bandeira (participante não-presente), entre outros.

A Semana da Arte Moderna constituiu-se no acontecimento que se fez ponta-de-lança das idéias modernistas, que abrangiam todos os campos artísticos, desde a música e a literatura até as artes plásticas.

Foi a origem do primeiro momento do modernismo no Brasil, em que era necessário o choque de idéias, já que no país, ainda não posto em contato com as revoluções realizadas pelas vanguardas estéticas européias, cultuavam-se os poetas parnasianos como símbolos máximos da cultura literária nacional.

Mário de Andrade foi o escritor que encabeçou o movimento modernista. Sua atividade estendeu-se à poesia, ao romance, à crítica e ao estudo das tradições do folclore: em 1922 publicou sua Paulicéia Desvairada, de ampla e diversa repercussão.

É lançado o conceito de "verso harmônico", em que há a sobreposição de imagens aparentemente desconexas, que surgem diretamente do inconsciente do escritor.

No romance, em 1928, a "rapsódia" Macunaíma: o herói sem nenhum caráter é publicado, oferecendo este um quadro bastante vivo do país enquanto lugar de grande miscigenação cultural.

Neste romance, as tradições culturais indígenas dos primórdios do país andam ao lado da modernidade europeizada dos centros urbanos brasileiros da época.

Oswald de Andrade é, sem dúvida, outro dos grandes nomes do movimento modernista. Sua poesia de feições rebeldes, da maneira como ele próprio se apresentava em sua vida, forneceu inclusive as bases para idéias que viriam muito mais tarde nas concepções do Cinema Novo.

Alguns trechos de seus romances apresentam cenas que se assemelham a recortes cinematográficos. O movimento antropofágico e o movimento pau-brasil, que foram originados de seus manifestos artístico-literários, nortearam boa parte da produção artística subseqüente.

Manuel Bandeira, que fora chamado por Mário de Andrade como "o pai dos modernista brasileiros", expande sua intensa força lírica em Ritmo Dissoluto (1924), pelo qual se identifica com a nova corrente; outros livros de êxito são: Toda América, de Ronald de Carvalho; Noroeste e outros poemas do Brasil, de Ribeiro Couto; Martim Cererê, de Cassiano Ricardo; Cobra Norato, de Raul Bopp; Juca Mulato, de Menotti del Pichia, e Nós, o melhor livro de Guilherme de Almeida.

Entre os modernistas regionais contam-se: Augusto Meyer, com Poemas de Bilu, e Acenso Ferreira, com Cana Caiana. Jorge de Lima, que com Poemas junta-se aos modernistas, iniciará em 1935 novo tipo de poesia cristã, em Tempo e Eternidade.

Poesia espiritualista é ainda a de Tasso da Silveira, em Alegorias do Mundo Novo, a de Murilo Araújo, em A Escadaria Acesa, e a de Cecília Meireles, em Mar Absoluto.

Em Minas Gerais floresce o Modernismo com a poesia segura de Carlos Drummond de Andrade, e a poesia sugestiva de Murilo Mendes.

Em Carlos Drummond de Andrade, sobretudo, observa-se um grande amadurecimento das aspirações estéticas modernas, num momento em que o modernismo já se afirmava definitivamente, embora ainda causasse choque.

O choque, aliás, caracterizou a estréia de Drummond, com a publicação de seu poema No Meio do Caminho. Outros poetas modernistas são: Emílio Moura, Álvaro Moreyra, Gilka Machado, Sérgio Milliet, Múcio Leão, etc.

A prosa de ficção modernista, obediente à diretriz do movimento (conhecer a realidade brasileira), adaptou-se à diversificação desta.

A Amazônia entra nos romances de Gastão Cruls, com Amazônia Misteriosa, e nos contos regionais de Peregrino Júnior, com Histórias da Amazônia.

O Nordeste apresenta-se pujante, a partir de Bagaceira (1928) de José Américo de Almeida. Seguem-se Raquel de Queiróz, com O Quinze (1930), e os muitos romances do ciclo da cana de açúcar de José Lins do Rego, entre os quais Fogo Morto; Armando Fontes, com Os Corumbás; Jorge de Lima, com Calunga; e Graciliano Ramos, de estirpe machadiana, com várias obras em que há características do romance social, como São Bernardo, Vidas Secas e Memórias do Cárcere.

Outras obras de Graciliano Ramos são Angústia e Infância. Na Bahia é figura expoente Jorge Amado, com seus romances sobre a zona cacaueira, especialmente Terras do Sem Fim.

Minas Gerais ostenta os magníficos contos de João Alphonsus, os romances de Ciro dos Anjos, de Cornélio Pena e de Lúcio Cardoso, quase todos de caráter introspectivo. A ficção no Rio Grande do Sul oscila entre o regional e o universal.

Darcy Azambuja, nos saborosos contos de No Galpão (1925), e Viana Moog, em Um Rio Imita o Reno integram a corrente regional; ao passo que Dionélio Machado, em Os Ratos filia-se à universal.

Érico Veríssimo, vigoroso romancista de influência anglo-saxônica, participa de ambas e atinge maior altura em O Tempo e o Vento.

Em Moleque e Menininha, de Athos Damasceno Ferreira, andam juntos o realismo e a emoção poética. No Rio de Janeiro, salientam-se Marques Rebelo, autor de A Estrela Sobe, e Otávio de Faria, romancista de caráter social em Tragédia Burguesa.

O teatro no modernismo não alcança grande evidência, apontando-se contudo Nélson Rodrigues, em Vestido de Noiva.

A crítica, a sociologia e a história apresentam numerosos cultivadores, entre os quais Jackson de Figueiredo, iniciador da renovação católica no Brasil; Tristão de Athayde, o maior crítico do modernismo e pensador de enorme influência no país; Álvaro Lins, em seu Jornal de Crítica; Gilberto Freyre, sociólogo renomado, em Casa Grande e Senzala; Artur Ramos, estudioso dos problemas afro-brasileiros; Sérgio Milliet, Lúcia Miguel Pereira, José C. de Andrade Muriei, Guilhermino César, Moisés Velhinho e Carlos Dante de Moraes.

A chamada geração de 1945 é marcada pela fase de amadurecimento do modernismo. Tal movimento estético, inicialmente estabelecido à força de impacto, já era fato cultural consagrado.

A partir deste momento em que as idéias modernistas estavam afirmadas, a produção literária desta tendência pôde se preocupar exclusivamente com a própria atividade de criação.

Entretanto, vários autores e obras já se evidenciam como passíveis de perenidade literária. Augusto Frederico Schmidt teve grande importância neste contexto, na poesia brasileira produzida entre os anos de 1930 a 1940, pois seu trabalho poético negava os excessos cometidos pelo modernismo, que havia se estabelecido inicialmente à força da rebeldia, havendo então, no pensamento de Schmidt, certas gratuidades como a exacerbação da linguagem coloquial, o gosto pelo trivial anedótico etc.

Clarice Lispector publica seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem, em 1943, que foi apontado como o primeiro livro brasileiro concebido dentro do espírito de James Joyce e Virgínia Woolf. Cecília Meireles foi uma das representantes da vertente intimista dentro da estética moderna, ao lado de Vinícius de Morais, o poeta tipicamente carioca, Augusto Frederico Schmidt, Jorge de Lima e Murilo Mendes.

O romance ganha grande vôo com Guimarães Rosa e seu Grande Sertão: Veredas. A narrativa do romance é caracterizada pela linguagem ousada, em que o escritor recorre ao falar regional, inventando ele próprio novas palavras, como, por exemplo, o próprio nome de uma de suas obras, o livro de contos Sagarana (composto de palavras de origem etimológica diversa). Dentre os escritores que apontam para tendências mais contemporâneas está João Cabral de Melo Neto e sua linguagem objetiva.

Ferreira Gullar foi o poeta que praticamente abriu caminho para tendências contemporâneas, como o concretismo, com seu livro A Luta Corporal (1954), juntamente com Mário Faustino.

Na poesia concreta, os principais poetas são os irmãos Haroldo e Augusto de Campos, juntamente com Décio Pignatari, os quais formaram o grupo concretista brasileiro.

Paulo Leminski foi o escritor que encarnou algumas das tendências mais experimentais da literatura brasileira contemporânea, tanto no romance (Catatau) como nas suas produções poéticas.

Outro romancista a que se deve destaque no quadro atual da literatura brasileira é Rubens Fonseca, com romances como A Grande Arte, Bufo Spalanzani, Agosto e outros.

No final dos anos 80, uma das obras que tiveram grande procura do público foi Olga, romance-documentário de Fernando Morais.

Tal obra foi planejada como um documentário sobre a vida de Olga Benário, mas sua linguagem é plenamente compatível com a linguagem literária.

O campo da experiências poéticas, baseadas na pesquisa da problemática dos signos lingüísticos, tem em Arnaldo Antunes uma das figuras de destaque na produção poética atual.

Semana de Arte Moderna

A Semana de Arte Moderna de 22, realizada entre 11 e 18 de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo, contou com a participação de escritores, artistas plásticos, arquitetos e músicos. Visava renovar o ambiente artístico e cultural da cidade via "a perfeita demonstração do que há em nosso meio em escultura, arquitetura, música e literatura sob o ponto de vista rigorosamente atual", como informava o Correio Paulistano a 29 de janeiro de 1922.

A produção de uma arte brasileira, afinada com as tendências vanguardistas da Europa, sem contudo perder o caráter nacional, era uma das grandes aspirações que a Semana tinha em divulgar. Cem anos após a independência do país, os jovens modernistas pretendiam redescobrir o Brasil, libertando-o das amarras que o prendiam aos padrões estrangeiros.

Negavam, antes de mais nada, o "academicismo" nas artes, influenciados esteticamente por tendências e movimentos como O Cubismo, o Expressionismo e diversas ramificações pós- impressionistas como Divisionismo (ver Neo-Impressionismo). Pretendiam, entretanto, utilizar-se de forma consciente desses modelos europeus para uma renovação da arte nacional, preocupados em realizar uma arte nitidamente brasileira, sem complexos de inferioridade em relação à arte produzida na Europa.

De acordo com o catálogo da mostra, participavam da Semana os seguintes artistas: Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Zina Aita, Vicente do Rego Monteiro, Ferrignac (Inácio da Costa Ferreira), Yan de Almeida Prado, John Graz, Alberto Martins Ribeiro e Oswaldo Goeldi - com pinturas e desenhos; Victor Brecheret, Hildegardo Leão Velloso e Wilhelm Haarberg (alemão no Brasil desde) - com esculturas; Antonio Garcia Moya e Georg Przyrembel (polonês em São Paulo desde 1913) - com projetos arquitetônicos. Além disso, havia escritores como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Sérgio Milliet, Plínio Salgado, Ronald de Carvalho, Álvaro Moreira, Renato de Almeida, Ribeiro Couto e Guilherme de Almeida e músicos como Villa-Lobos, Guiomar Novais, Ernâni Braga e Frutuoso Viana.

São Paulo dos anos 20 era a cidade que melhor apresentava condições para a realização de tal evento. Tratava-se de uma próspera cidade, que recebia grande número de imigrantes europeus e modernizava-se rapidamente, com a implantação de indústrias e reurbanização. Era, enfim, uma cidade favorável a ser transformada num centro cultural da época, abrigando vários jovens artistas.

Bem antes da Semana de Arte Moderna de 22 já se reuniam as forças que tornariam possível o evento. A exposição de Anita Malfatti em 1917, recém chegada dos Estados Unidos e da Europa, foram um marco para o Modernismo Brasileiro. As obras da pintora então afinadas com as tendências vanguardistas absorvidas nesses dois locais chocou grande parte do público e causou violentas reações da crítica conservadora. Ao redor dela reuniram-se jovens despertos para uma necessidade de renovação da arte brasileira.

Além disso, traços dos ideais que a Semana propunha já podiam ser notados em trabalhos de artistas isoladamente que dela participaram (além de outros que foram excluídos do evento). Desde a exposição de Malfatti, havia dado tempo para que os artistas de pensamentos semelhantes se agrupassem. Em 1920, por exemplo, Oswald de Andrade já falava de amplas manifestações de ruptura, com debates abertos. Entretanto, parece ter cabido a Di Cavalcanti a sugestão de "uma semana de escândalos literários e artísticos, de meter os estribos na barriga da burguesiazinha paulistana."

Artistas e intelectuais de São Paulo e do Rio de Janeiro, tendo Graça Aranha à frente, organizavam a Semana, prevista para se realizar em fevereiro de 1922. Uma exposição de artes plásticas - organizada por Di Cavalcanti e Rubens Borba de Morais, com a colaboração de Ronald de Carvalho, no Rio - acompanharia as demais atividades previstas. Graça Aranha, sob aplausos e vaias abriu o evento, com sua conferência inaugural "A Emoção Estética na Arte Moderna". Anunciava "coleções de disparates" como "aquele Gênio supliciado, aquele homem amarelo, aquele carnaval alucinante, aquela paisagem invertida" (temas da exposição plástica da semana), além de "uma poesia liberta, uma música extravagante, mas transcendente" que iriam "revoltar aqueles que reagem movidos pelas forças do Passado."

Mário de Andrade, com suas conferências, leituras de poemas e publicações em jornais foi uma das personalidades mais ativas da Semana. Oswald de Andrade talvez fosse um dos artistas que melhor representavam o clima de ruptura que o evento procurava criar. Manuel Bandeira, mesmo distante, provocou inúmeras reações de agrado e de ódio devido a seu poema "Os Sapos", que fazia uma sátira do Parnasianismo, lido durante o evento.

Entretanto, acredita-se que a Semana de Arte Moderna não tenha tido originalmente o alcance e amplitude que posteriormente foram atribuídos ao evento. A exposição de arte, por exemplo, parece não ter sido coberta pela imprensa da época. Somente teve nota publicada por participantes da Semana que trabalhavam em jornais como Mário de Andrade, Menotti del Picchia e Graça Aranha (justamente os três conferencistas, cujas idéias causaram grande alarde na imprensa).

Yan de Almeida Prado, em 72, chegou mesmo a declarar que" a Semana de Arte Moderna pouca ou nenhuma ação desenvolveu no mundo das artes e da literatura", atribuindo a fama dos sete dias aos esforços de Mário e Oswald de Andrade.

Além disso, discute-se o "modernismo" das obras de artes plásticas, por exemplo, que apresentavam várias tendências distintas e talvez não tivessem tantos elementos de ruptura quanto seus autores e os idealizadores da Semana pretendiam. Houve ainda bastante confusão estilística e estrangeirismos contrários aos ideais da amostra, como demonstram títulos como "Sapho", de Brecheret, "Café Turco", de Di Cavalcanti, "Natureza Dadaísta", de Ferrignac, "Impressão Divisionista", de Malfatti ou "Cubismo" de Vicente do Rego Monteiro.

Logo após a realização da Semana, alguns artistas fundamentais que dela participaram acabam voltando para a Europa (ou indo lá pela primeira vez, no caso de Di Cavalcanti), dificultando a continuidade do processo que se iniciara. Por outro lado, outros artistas igualmente importantes chegavam após estudos no continente, como Tarsila do Amaral, um dos grandes pilares do Modernismo Brasileiro.

Não resta dúvida, porém, que a Semana integrou grandes personalidades da cultura na época e pode ser considerada importante marco do Modernismo Brasileiro, com sua intenção nitidamente anti-acadêmica e introdução do país nas questões do século. A própria tentativa de estabelecer uma arte brasileira, livre da mera repetição de fórmulas européias foi de extrema importância para a cultura nacional e a iniciativa da Semana, uma das pioneiras nesse sentido.